Um plano para o Iraque
O ano de 2006 acabou com a execução do ditador Saddam Hussein. O mundo, sobretudo ocidental, manifestou o seu repúdio pela pena de morte bem como pela forma indigna como ela decorreu. No meio de todos estes protestos, só o presidente dos Estados Unidos demonstrou algum regozijo pelo enforcamento de um dos seus arqui-inimigos. O que estimulou ainda mais a ira por parte daqueles que sempre se opuseram à intervenção no Iraque por parte da América. Na verdade, George W Bush não deixou de ser coerente para com os seus princípios. Ele próprio, enquanto governador do Texas, ordenou a aplicação da pena de morte a muitos criminosos americanos daquele estado. No entanto, a verdadeira questão incide sobre se esta execução ajuda a estabilizar o Iraque, como muitos elementos da Administração americana o proclamam; e até agora esta posição levanta sérias dúvidas.
Com as últimas eleições intercalares, o senado americano passou para as mãos dos democratas o que obriga o presidente a trabalhar num clima de coabitação política. A dois anos do fim do seu mandato e em que a presidência se tornou extremamente arrogante e obcecada com os seus princípios ideológicos, esta mudança representa uma lufada de ar fresco e de esperança, não só para os cidadãos americanos como também para o resto do mundo. A questão do Iraque é crucial para a política americana seja ela externa ou interna. Um grupo de trabalho que reflectiu sobre esta questão apresentou recomendações ao governo americano por forma a impedir o descalabro da guerra civil, mas sobretudo para salvar a face dos Estados Unidos que já não sabem como sair daquele impasse. Surpreendentemente para alguns, a administração Bush recusou acatar essas recomendações e até vai, em certos casos, seguir o seu contrário. O envio de mais tropas para a região é o sinal mais evidente da divergência de perspectiva. Em breve, o presidente irá apresentar um novo rumo para o Iraque.
Os democratas sabem que a partir de agora a sua voz tem mais impacto e muitos dos políticos influentes daquele partido já assumiram que a retirada das tropas é o caminho a seguir. Neste campo, os argumentos utilizados são bastante aterradores. Supostamente, o povo iraquiano não quer a paz e, por isso, as tropas americanas devem sair para deixá-los resolver os seus problemas já que América não tem nada a ver com esses conflitos internos. A guerra civil iraquiana não é culpa dos Estados Unidos. Se George Bush apresentasse este tipo de falácia até se percebia. Enterrado como está, fugir seria a única solução hipócrita. Mas não. Retirar do Iraque será, na sua perspectiva, ainda mais perigoso e sobretudo moralmente inaceitável. Porém, há uma questão unânime: até quanto tempo as tropas devem ficar por lá?
Com esta intervenção, a ideia de que a democracia pode ser encarada como um franchising ficou definitivamente anulada. A intenção é boa porque parte-se do princípio que os povos querem a paz e a liberdade. No entanto, não é inteiramente verdade. O destronamento de Saddam Hussein revelou ao mundo as fracturas civilizacionais que o Iraque tem. À partida, o actual conflito tem duas facções religiosas opostas: sunitas e xiitas. Não entanto, a norte há os curdos e noutras zonas do país haverá outras tribos menos numerosas que disputam territórios e posições de poder. Dito isto, falar em democracia é começar pelo telhado em vez dos alicerces. A questão do território e da sua divisão é, provavelmente, a mais crucial.
A regionalização é um processo que deve ser encarado com muita seriedade. Mas aqui, o governo americano pouco pode fazer. Devem ser os iraquianos e seus líderes a resolver este problema. Daí que, no plano político, a administração Bush deverá ter menos influência na forma como decorre o processo constitucional e executivo do governo iraquiano. A formação dos militares e seu apetrechamento em armas devem ser as prioridades. A retirada deverá então ser faseada sempre com o aval do governo iraquiano.
Claro que esta forma de proceder, que mais se coaduna com os propósitos desta administração, tem um senão. Até agora, quando se dá aos povos do Médio Oriente a possibilidade de votar, eles optam por um partido com ideias muito próximas das dos radicais islâmicos. A vitória do Hamas na Palestina é o grande exemplo. Poderá então surgir um novo ditador “criado” pelos Estados Unidos. Convém não esquecer que Moqtada al-Sadr começou com o apoio dos americanos. Neste cenário, que é também perturbador, será mais fácil a justificação de que os iraquianos terão livremente escolhido o seu líder e este fará como entender.
Os árabes são tendencialmente vistos como um povo que gosta de ter um líder forte, carismático – violento até – para idolatrar. A ideia de criar um governo e partidos de oposição não é possível de concretizar porque, por detrás, os intervenientes representam facções religiosas ou tribais que nutrem ódios de morte uns contra os outros. O choque de culturas está bem patente e nunca foi tão importante estudar História como agora.
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