Lajes Field e o lado bipolar da Terceira
Com o tempo e com o acumular de
declarações disparatadas por parte de alguns notáveis da Ilha Terceira, sou
levado a pensar que a presença militar americana se transformou numa maldição
que vai minando a saúde mental dessas pessoas.
A comumente denominada base
americana desperta tanto ódio e paixão nos terceirenses que se torna difícil
compreender o que realmente pretendem dela. Se, numa semana, é destaque na
imprensa regional por contribuir para a terra com milhões de dólares em
pagamentos de salários, na aquisição de bens e serviços, na outra, é alvo de
denúncia por parte dos representantes dos trabalhadores portugueses que a acusam
de maltratar os seus associados; se a base é cobiçada por boa parte da
população que sonha em conseguir um lugar lá dentro, quem consegue entrar é
vítima de inveja pelos seus compatriotas; se num dia surge uma notícia a dar
conta da redução de efetivos e do consequente despedimento de trabalhadores
portugueses, no dia seguinte, (sempre com base em fontes do tipo WikiLeaks) coloca-se a possibilidade de
a base se transformar em campo de treinos para caças e outras brincadeiras aeronavais;
se um político ou académico dá uma entrevista onde defende a imprescindibilidade
dos Açores para a estratégia militar americana, aparece outro a defender a
incompetência do Estado Português em negociar as contrapartidas políticas e
financeiras; se um estudioso alega que a realidade geostratégica americana já
não se define no Atlântico, aparece um político a dizer que a sobrevivência dos
restaurantes da ilha depende do número de militares destacados; se os partidos
de Esquerda lutam pela paz no mundo, pelo fim de Israel e pela saída dos
americanos da BA4, logo a seguir exigem um numerus
clausus de postos de trabalhos para os portugueses; se algum diplomata ou
militar americano falar sobre os Açores é logo trucidado por cometer
ingerência, mas se um português falar sobre os americanos pode dizer o que bem
entende, pois tem sempre razão.
Essas variações acentuadas de humor
tornaram-se patológicas e o pior é que quem mais sofre com isto tudo são
justamente os mais calados: os portugueses que lá trabalham.
Aliás, a esse respeito, um dia
alguém há de me explicar como é que se escolhe um comunista para os representar
na mesa das negociações.
Passado mais de sessenta anos após a
sua criação, esta base, que foi palco de momentos marcantes da História Moderna,
que tanto contribuiu para o desenvolvimento da Terceira e dos Açores, que tanto
ajudou famílias a sair da miséria, que tanto apoiou a reconstrução de Angra e o
desenvolvimento da Praia, requalificou equipamentos, igrejas e outras
infraestruturas por toda a ilha, que contribuiu para a modernização da agricultura
regional, que enriqueceu a cultura terceirense, cinge-se agora a um único
princípio: se os americanos continuarem a dar milhões e jobs muito bem; senão que zarpem daqui para fora.
Não defendo nem subserviência, nem
rutura. Na minha visão romântica, preferia que houvesse mais discrição e
pacatez nas negociações; menos ruído, menos che
guevaras a urdir na imprensa, e sobretudo mais realismo. A base americana
não é o RSI da Terceira.
Quando os nossos amigos americanos
se forem embora o que restará da sua presença? Inúmeros estudos académicos,
indemnizações aos trabalhadores, arquivos fotojornalísticos, mas nem um museu
permanente e em exclusividade para homenagear este relacionamento bilateral,
perpetuando a memória para as gerações futuras, nem um protocolo com o US Departement of Veterans Affairs. E eu a
pensar que os americanos eram os únicos obcecados com os dólares.
Sempre defendi e defenderei o debate
livre de ideias e o abanar de consciências, mas não me revejo nem aceito o discurso
populista à custa do sofrimento de outrem.
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