O milagre da vida
Em Portugal, quando se fala em milagres, associa-se logo Fátima e Pastorinhos. As pessoas, em geral, concebem o milagre como um acontecimento sobrenatural, inexplicável quando, por exemplo, alguém sobreviveu de um acidente desastroso ou de uma doença incurável. Contudo, por todo o mundo, todos os dias, a todas as horas, acontecem milagres que, por serem tão comuns, tão naturais e previsíveis deixaram de ter a sua relevância epistemológica. Falo do nascimento de uma criança.
Na vida, todos nós temos as nossas decepções. Desiludimo-nos com pessoas próximas que falharam quando esperávamos algo mais delas; desiludimo-nos com a sociedade e com quem a governa por não cumprir para com as suas obrigações. A desilusão é o resultado de uma expectativa criada não correspondida. Há quem viva em constante frustração por esperar demasiado dos outros quando, às tantas, não dá muito de si. Há outros, inconformados, que lutam pela felicidade porque antes de este sentimento ser um estado ele é, primeiro, uma procura.
A vida nunca foi fácil. Sendo a realidade dinâmica, as dificuldades adaptam-se aos tempos e ao progresso da Humanidade. O Homem é um ser altamente insatisfeito. A realização espiritual é difícil de concretizar, mas no momento em que se consegue, sobe-se mais um degrau da exigência pessoal. Nos últimos tempos, o ser humano tem procurado nos bens materiais a sua realização e felicidade pessoais. Tem-no conseguido, mas por pouco tempo. Na sua constante insatisfação, volta-se outra vez para o espiritual e, por vezes, só com a ajuda de substâncias químicas se sente (erroneamente) realizado. O apego à vida configura-se como algo de unipessoal e intransmissível. Eu, eu, eu. Viver para os outros é uma mentira. Viver em função daquilo que os outros acham tornou-se uma realidade. Então, numa pequena luz ao fundo do túnel da depressão, o milagre aparece como último reduto da esperança.
O ser humano foi feito para procriar. Não no sentido religioso, mas sim natural. Este é o primeiro milagre. Biologica, quimica, genetica, fisiologica e psiquicamente, o homem e a mulher encaixam numa perfeição absolutamente esmagadora. Do resultado dessa união, nasce outro ser. E este é grande o milagre da vida. Milagre esse que nos deve pôr a pensar: como pôde isto acontecer? Será que o resultado final da união entre dois seres é unicamente fruto da natureza?
É nestas alturas que se olha para o céu, para as nuvens, para o mar, para as colinas, para as árvores, para uma ave que, no seu ninho, alimenta a sua cria e se conclui que esta simbiose de elementos é demasiadamente perfeita para ser encarada como resultado único do processo natural. Há momentos em que a Fé nos abala pela lógica da sua existência.
Sentado no sofá, pelo ecrã do televisor, assistimos à decadência do Homem, às guerras, às tristezas, às calamidades; à destruição sem data marcada de toda a Humanidade. Como viver ou até sobreviver num mundo tão instável e tão perigoso como o actual? Dirigimo-nos então angustiados para o quarto. Uma luz ténue ilumina-o. Sente-se um calor natural que emana daquela espaço. Um berço. Dentro, um bebé que dorme. A sua respiração serena apazigua-nos. Eis o refúgio contra as adversidades e os receios da vida. Eis a esperança. O sentimento de plenitude reconcilia-nos com o mundo ao qual, há minutos atrás, não queríamos pertencer. Nascemos para isto: para criar um mundo melhor para os nossos descendentes, para aqueles que ficam quando deixarmos este lugar. Eis o caminho para a felicidade.
PS – Quero agradecer do fundo do meu coração o Dr. Fernando Teixeira, a enfermeira-parteira Susana Peixoto e toda a equipa da Maternidade do Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo pelo profissionalismo, pela dedicação e pela simpatia. Um milagre nunca acontece sozinho…
2 Comentários:
Parabéns, professor!
Felicidades.
(Gostei do texto. Muito bom.)
Milagres acontecem todos os dias.... agora, milagre lindo como este é raro! É linda a Catarina, LINDA!
Bj, Lhilhika ;)
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