Complot

Este blogue nada tem de original. Fala de assuntos diversos como a política nacional ou internacional. Levanta questões sobre a sociedade moderna. No entanto, pelo seu título - Complot -, algo está submerso, mensagens codificadas que se encontram no meio de inocentes textos. Eis o desafio do século: descobri-las...

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segunda-feira, outubro 02, 2006

A inquisição islâmica


Gil Vicente, o maior dramaturgo português de todos os tempos, escreveu cerca de 50 peças de teatro em que, de forma cómica, criticava a sociedade da sua época. Nenhuma classe social, nem mesmo o clero, escaparam ao seu olhar acérrimo sobre o que ele considerava de sociedade decadente. Para além de entreter as pessoas, pretendia alertar para os males que a riqueza e a ociosidade poderiam trazer às pessoas: ridendo castigat mores (a rir, se dizem as verdades). Após a sua morte, a viúva de D. João III protegeu, contra a Inquisição, a publicação completa das suas obras (1562). Agora, uma pergunta: o que é que isto tem a ver com o cancelamento, na semana passada, do espectáculo Idomeneo, de Mozart, na Alemanha? Tudo.

Com a emergência do fundamentalismo cristão, com a criação da Inquisição, as peças de teatro de Gil Vicente estiveram para serem destruídas e perdidas para sempre, não fosse a coragem de pessoas cultas e importantes. Gil Vicente não foi o único a sofrer as consequências da censura. Nos anos 80 do século XX, o então Secretário de Estado da Cultura tentou censurar a obra Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago. Como é óbvio, a censura de nada valeu; o prémio Nobel português nem sequer foi condenado (não havia nada a julgar) e o livro está à venda em qualquer livraria. Como se pode ver, a liberdade de expressão não é um princípio totalmente adquirido. Aliás, se observarmos com atenção a história da cultura, verificamos que existem momentos de altos e baixos, em que se assiste a um período fértil de criatividade, de experimentalismo para a seguir viver-se momentos de censura violenta em que os artistas simplesmente desaparecem e o progresso do Homem estagna.

Na semana passada, a directora da Deutsche Oper de Berlim, temendo as represálias dos muçulmanos mais sensíveis, decidiu cancelar a ópera Idomeneo, de Mozart, porque, no final da peça, a cabeça de Maomé aparece decepada. Se a censura é um mal, a autocensura ainda é pior. Com este gesto, provou-se que o fundamentalismo islâmico vai ganhando batalhas, pois já se antecipam possíveis reacções. Não vão algumas capitais muçulmanas encherem-se de manifestantes queimando bandeiras da Alemanha e bonecos representando Mozart. O ridículo chegou às portas da Europa e a incredulidade domina o espírito dos ocidentais, ou melhor, dos infiéis.

O que fazer? Será que todos os países devem agora ter agentes especiais para verificar que nenhum evento cultural contenha elementos que possam ferir o Islão? Sobre este tema, não há dúvidas de que a censura existe. Ninguém se atreve a escrever, a filmar, a pintar sobre Maomé. Salman Rushdie fê-lo e ainda hoje sofre as consequências: sem medidas de segurança apertadas e o exílio nos Estados Unidos, hoje, provavelmente, não estaria vivo.

Apesar de a ameaça islâmica entrar nas nossas portas todas as semanas e perturbar o nosso dia-a-dia, ela também traz algo de positivo. Faz-nos pensar sobre a liberdade. Faz-nos questionar sobre os valores que defendemos. Quanto mais a ameaça se aproxima, mais certos estamos das nossas convicções. Chega a um ponto em que cada um de nós tem de tomar uma posição; ou defende os valores ocidentais ou se opõe a eles. Nenhuma civilização é perfeita mas, de todas elas, prefiro viver com os defeitos da minha.

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