Complot

Este blogue nada tem de original. Fala de assuntos diversos como a política nacional ou internacional. Levanta questões sobre a sociedade moderna. No entanto, pelo seu título - Complot -, algo está submerso, mensagens codificadas que se encontram no meio de inocentes textos. Eis o desafio do século: descobri-las...

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domingo, janeiro 20, 2008

Maravilhoso mundo velho



Com o progresso da medicina e das tecnologias ligadas às ciências da saúde, a esperança de vida aumentou substancialmente. Porém, estes progressos não chegam a todas as pessoas; o mundo actual apresenta discrepâncias, algumas delas escandalosas, havendo países com uma esperança de vida ainda muito baixa. Nos países mais ricos, uma outra questão coloca-se: viver mais tempo não significa necessariamente viver melhor. Se dantes se falava na terceira idade, há quem defenda que actualmente exista uma quarta idade.



Até onde a ciência irá no prolongar da vida – ou no adiar da morte –?



Enquanto adolescentes sonhamos em tornarmo-nos independentes, fazendo o que queremos sem precisar de dar satisfações às pessoas, nomeadamente aos pais. A realidade obriga-nos a respeitar e seguir regras que com o tempo e a chegada à vida adulta nos conforma e nos encaixa numa sociedade livre, mas acompanhada de direitos e deveres. A pressão social obriga-nos a estarmos constantemente a par das novas tendências culturais, das informações, das novas leis, das tecnologias de comunicação. O progresso tem um custo enorme e ainda não calculado em termos de stress que provoca sub-repticiamente nas pessoas. Quando uma pessoa pede algo, já a quer para ontem. Por isso, o provérbio “Nunca deixes para amanhã o que podes fazer hoje” é tão certeiro neste século da globalização.



Nas sociedades mais desenvolvidas, onde se cultiva o espírito carpe diem, o gozar cada dia como se fosse o último, há um consenso silencioso: quanto mais tarde vier a morte melhor. Todos nós temos medo das doenças; todos nós nos revoltamos com as mortes estúpidas em acidentes de viação; todos nós nos emocionamos quando um pai enterra um filho; todos nós temos medo de ficar velho e inútil. A morte, esta maldita personificada por Saramago, é aquela que queremos adiar não para amanhã, mas para sempre.



A eternidade sempre preencheu o imaginário de cada um. A medicina trata de curar males, como participa nesse adiar sine die da morte. Ao chegar à velhice, as pessoas voltam a uma segunda infância. Tornam-se dependentes novamente. Algumas já não são capazes de se alimentarem sozinhas como até precisam de fraldas. Quando nos contam que na sua juventude aquela pessoa era uma atleta, ou que trabalhou duro no campo, quase não acreditamos de tão debilitada que a vemos. Mas tem quase 100 anos; tem um século de vida! Não importa que já nem sequer reconheça a sua família. Tem um século de vida!



Olhando para o espelho, algumas rugas configuram a face, marcando a passagem do tempo. Cabelos brancos aparecem do nada. Análises médicas de rotina mostram que é preciso ter cuidado com a alimentação. Na televisão, faz-se a apologia do deitar cedo e cedo erguer, dos cremes rejuvenescimento e das dietas. Para quê? Simplesmente porque recusamos o único futuro que conhecemos de antemão: o da velhice. Recusamos o facto de que um dia possamos usar novamente fraldas. Recusamos que um dia possamos ser chatos como alguns velhos que conhecemos. Ao invés, sonhamos com viagens à volta ao mundo em excursões graças ao dinheiro da reforma merecidamente ganho. Esperamos que até chegar a nossa vez, a ciência tenha encontrado uma vacina milagrosa que nos permita viver mais um bocado.



Existe uma diferença entre aumentar a esperança de vida e a qualidade de vida. De que serve viver acamado para lá dos cem anos? De que serve uma medicina que prolonga a vida, mas cuja contrapartida seja o de estar ligado a uma máquina? Como aceitar que um dia alguém tenha que me dar comida à boca? Como conviver com o facto de que um dia nem sequer reconheça a minha filha ou os meus netos? Nem sempre a ciência contribui para a felicidade das pessoas.



Envelhecer pode ser triste se o associarmos ao medo de um dia termos de partir deste mundo. Aceitar a morte leva tempo, mas depende sobretudo da forma como aproveitamos a vida. Se esta for devidamente bem preenchida, se deixarmos quem prolongue a nossa memória e o nosso sangue, se tivermos amado o suficiente, sem deixar ódios ou ressentimentos minar o nosso percurso de vida, no final, quando a morte nos chamar, iremos sorrir para ela e dar-lhe a mão.

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