O romantismo da democracia
Na semana passada, Fidel Castro anunciou a sua renúncia depois de 50 anos de poder autocrático em Cuba. Desgastado pela doença e pela idade, Fidel mostrou que, tal como os reis, só a morte, a idade avançada ou uma doença grave o tiram do poder. Nas ditaduras, só há duas formas de abandonar a liderança: ou pela saída “natural” ou à força.
Os Estados Unidos já manifestaram a sua satisfação pela notícia e esperam que, a médio prazo, Cuba possa enveredar pelos caminhos de uma democratização do regime. Entretanto, as sanções económicas continuam e prejudicam gravemente os cubanos. Talvez com o próximo presidente eleito da América possa haver uma aproximação à ilha, permitindo à população conhecer a verdadeira liberdade e respirar a dita democracia. É de prever uma transição pacífica, e atrevo-me a dizer, parecida com o fim do regime salazarista em Portugal. Com a desistência de Fidel, a utopia de Cuba também acabará.
Em vários países da Europa, personalidades políticas de Esquerda comentam com alguma mágoa – disfarçada ou não – o final de um marco da História Moderna. Ao falar de Cuba, atribuem-lhe o adjectivo de romântica; Fidel, um herói romântico, que viu o seu sonho ser destruído pelo capitalismo americano. Será mesmo? Será que uma ditadura pode ser romântica?
Quando conheci cubanos, disse-lhes que a única maneira de me deslocar ao seu país será quando o actual regime acabar. Depois de uma conversa alongada à mesa com rum e charuto cubanos, ouvi todo o tipo de histórias que comprovam que Cuba é uma ditadura e ponto final. Não há meio-termo: as ditaduras restringem as liberdades individuais e colectivas, impedem a circulação livre das pessoas, controlam os movimentos e pensamentos das pessoas e usam a opressão se se sentirem ameaçadas. A única diferença que Cuba apresenta em relação às outras ditaduras é o número elevado de hotéis. De resto, é uma ignomínia ditadura. Por isso, onde está o romantismo?
Não estaremos nós, portugueses, europeus ou americanos, pelo contrário, a viver num sistema político romântico? A democracia não será ela romântica?
Deixar o povo escolher quem dirige o país; deixar as pessoas falar abertamente sobre o que querem, comentar livremente actos de outros, mesmo que esses comentadores sejam autênticos ignaros – como eu –; permitir que as pessoas possam viajar sem restrições entre países ou estados que partilham a mesma moeda, não será isso uma verdadeira utopia? Não andaremos nós, filhos da liberdade, enganados? Não será a democracia uma impossibilidade? A Grécia ou Roma antigas, enquanto democracias, viveram o seu período áureo mas acabaram por perecer. Num momento em que a França discute o seu modelo republicano, em que em Portugal se ouve vozes preocupadas com a degradação da sociedade, em que a Europa vive outra vez momentos de tensão devida à divisão de etnias dentro de Estados, é pertinente interrogar-nos sobre a viabilidade da democracia.
Quando a confiança parece desvanecer, do outro lado do Atlântico chega a esperança. América, país do tamanho da União Europeia, com mais de 300 milhões de habitantes, que, depois da sua guerra civil, nunca mais sofreu convulsões internas; consolidou o seu território, uniu os Estados que a constituem na diversidade sem pôr em causa os seus ideais democráticos. América, mãe da liberdade, fonte de inspiração em momentos de cepticismo ou desilusão. Uma América tão livre nas suas virtudes e transparente nos seus defeitos só prova que a democracia é o melhor de todos os sistemas políticos.
Cuba nunca será romântica. Pelo medo e pela repressão de que se alimenta para existir, nenhuma ditadura pode ser romântica. Ao invés, pelo sonho e pela esperança que fomenta em cada um dos seus cidadãos, os regimes democráticos são, sem sombra de dúvida, o projecto mais romântico que o homem alguma vez construiu.
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