Uma democracia obscena
A política constitui, talvez, uma das actividades sociais mais frustrantes que o Homem alguma vez criou. Parte-se no princípio de um ideal, de objectivos e propostas no intuito de melhorar a vida dos cidadãos para, quando se chega ao poder, uma situação de inércia por causa de barreiras democráticas intransponíveis que acabam por defraudar as expectativas e matar o sonho em contribuir para um mundo melhor. As ideias e o optimismo ficam na gaveta e a função executiva acaba por se limitar a um mero exercício de gestão com um orçamento sempre aquém do desejável. Numa perspectiva histórica, muitas das intenções louváveis se traduziram em vitórias em nome do progresso, dos direitos do homem, da justiça social e económica. Sem sombra de dúvida que a política, apesar de não o ser reconhecido, tornou o mundo melhor.
Nas democracias do século XXI, a política tem sofrido alguma evolução, se bem que a premissa inicial continue a mesma. O “animal” político divide-se em duas classes: a do utópico, que vive da esperança e do sonho em melhorar a Humanidade e a classe do interesseiro. Nesta última, o apreço pelo poder, pela ascensão e regalias pessoais sujeita o político, mais cedo ou mais tarde, às teias da corrupção. Os jogos de poder e de luta pela posição, tão comuns nos partidos políticos, aborrecem o político utópico, mas, pelo contrário, fazem com que o político interesseiro se sinta como um peixe dentro de água. Ao mundo, interessa o primeiro tipo de políticos, contudo estes afastam-se cada vez mais desta actividade tão nobre porque, mesmo sem corrupções nem jogos de bastidores, por mais que se tenha boas ideias elas nunca passarão disso.
Neste século, há, entretanto, uma terceira classe de políticos. Esta classe surge com a evolução das tecnologias de informação e dos meios de comunicação social. Pode-se apelidá-la de classe populista. Não obstante as ideias, uma reminiscência desta actividade pública, a imagem passa a ter uma importância primordial. A beleza física do político, as suas origens sociais, étnicas ou religiosas, a empatia que estabelece com os media contribuem decisivamente para a sua eleição no cargo que pretende. São qualidades diferentes daquelas que se exigia de um político no passado, mas que agora marcam a diferença entre a vitória e a derrota nas eleições.
Actualmente, não faltam exemplos para ilustrar esta teoria. Da França, tivemos a candidata socialista às eleições presidenciais, Ségolène Royale, que, por ser lindíssima e ser mulher, empolgou grande parte da população francesa. Todavia, perdeu pelo facto do outro candidato, Nicolas Sarkozy, ter conquistado a imprensa – e consequentemente os cidadãos – pelo seu discurso e pela forma como lida com os jornalistas. Para tal, não se importou de romper com uma antiga tradição francesa ao expor a sua vida privada em revistas cor-de-rosa. Dos Estados Unidos, temos uma mulher democrata, Hillary Clinton, com duas vantagens: primeiro a de ser mulher e depois a de ser esposa traída, comovendo o povo com o seu apego à família. Do mesmo partido, temos o candidato Barack Obama que, pelas suas origens étnicas, move multidões e em que as televisões até debatem se ele é preto o suficiente para representar os afro-americanos. É este tipo de candidatos que o povo quer. Não digo que sejam maus. São diferentes e convencem pela sua diferença.
Vem agora a parte mais obscura. Uma vez eleitos, a imagem tem de continuar a alimentar o agrado das pessoas. Depois de propostas politicamente correctas e demagógicas em campanha eleitoral, é preciso encarar a realidade: aquele ministério tem funcionários a mais, aquela empresa pública tem de ser privatizada, a dívida pública é colossal, etc. Para suavizar as coisas, empregam-se jornalistas especializados em relações públicas, economia, justiça, entre outros, como assessores do governo ou de ministros a fim de colorir as medidas impopulares. Faz-se sondagens positivas para o governo, entrevistas orientadas, passeios pelas ruas no meio de aplausos e até se chega ao ponto de recorrer a figurantes para servirem de cenário numa determinada iniciativa pública governamental. Tudo isto em nome da imagem que perpassa na televisão, na pena do jornalista, no discurso do locutor de rádio. Em democracias dignas desse nome, não se pode controlar todos os meios de comunicação social, mas pode-se controlar os seus mensageiros. Pode-se manipular pela pressão, por ameaças indirectas ou promessa de favores notícias que prejudicariam um governo. Um político populista pode dizer barbaridades ou até não dizer nada, mas basta um sorriso ou um olhar “franco” e o povo rende-se. Pelo menos, a imprensa diz que sim e os cidadãos acreditam.
Longe das confusões mediáticas, os utópicos juntam-se em tertúlias e debatem as verdadeiras questões do país e da Humanidade. Apesar de desiludidos, a vontade em querer mudar as coisas é tão forte que lhes é impossível desistir do seu sonho.
PS – A ideia de retirar as lojas chinesas da baixa lisboeta faz-me pensar que certas lojas situadas na Rua da Sé mereciam desaparecer por não ter o mínimo de condição estética e, deste modo, denegrir a história arquitectónica da cidade.
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial