Paraíso Perdido XIV
Brincar às mamãs
De vez em quando, há notícias que abalam os meus ideais e, em certa medida, os meus preconceitos. O estudo publicado pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra acerca da “Gravidez e Maternidade na Adolescência” é, infelizmente, uma delas. Diz o estudo que as adolescentes açorianas que engravidam são as campeãs do país, pelo facto de alcançar o dobro da média nacional. Pelos vistos, na minha ingenuidade, pensava que este dado fomentaria preocupação junto das autoridades. Contudo, na explicação das razões por haver um número tão alto de grávidas adolescentes açorianas, percebi que a questão é principalmente cultural.
Ao contrário do que se pensa, as nossas ainda crianças açorianas encaram a gravidez como uma alternativa à escola; uma forma de vida que quanto mais cedo acontecer melhor. Sempre se viu meninas a brincarem com as suas bonecas imaginando-se ser mamãs, mas estas jovens levaram esta brincadeira mesmo à letra. Eu pensei que a gravidez na adolescência era uma tragédia para todos: para a grávida, para a família, para a sociedade e principalmente para aquela criança que nasceria num contexto sempre difícil. Isto era um preconceito meu, porque afinal eu estava redondamente enganado.
Mas, pensando bem, quem está enganado? Sou eu ou estas jovens e famílias que agem desta forma? Pelo privilégio que tenho em lidar com adolescentes, por causa da minha profissão, sei que, na generalidade, as jovens açorianas não são diferentes das do continente e do resto do mundo: querem curtir a vida, querem ser independentes e querem também criar uma família, mas mais tarde e com as condicionantes típicas de quem sabe as responsabilidades que isso acarreta.
Este é um problema cultural muito específico dos Açores que se conjuga com as altas taxas de pobreza económica e social que a região também possui. E acho que as políticas de apoio social que existe no arquipélago só têm contribuído para acentuar esta diferença, pois alimentam a ideia de que as pessoas podem ser irresponsáveis porque sabem que haverá sempre alguém para tomar conta delas e resolver os seus futuros problemas.
Ou estudas ou ficas na escola
Quando tinha 16 anos, decidi ir trabalhar na construção civil com o meu padrinho durante as férias de Verão. Não era castigo, muito menos imposição dos pais. Decidi ganhar uns trocos e sentir o que significava trabalhar. Admito que, depois de ter começado, podia ter procurado primeiro algo de mais leve e menos cansativo. Escolhi o mais fácil: falar com o meu padrinho para me arranjar um “tacho” na empresa dele como servente.
Durante um mês, ajudei a construir uma casa dos alicerces até ao telhado; perdi 5 quilos, as minhas mãos ficaram rijas e calejadas e o meu cabelo completamente loiro. É verdade que fiquei com uma força incrível para um magricelas como eu, mas o que ficou na minha memória foi o ter chegado à conclusão que aquela não era a vida com a qual sonhava. Restava a alternativa da escola, onde podia prosseguir os estudos para conseguir o que realmente pretendia profissionalmente. Ao contrário do meu pai, que não teve outra hipótese senão fazer somente a quarta classe e começar logo a trabalhar com 14 anos, eu dava-me ao luxo de ser dono de mim próprio.
Não estou a fazer nenhum exame de consciência, nem pretendo escrever as minhas memórias, mas estas recordações ocorreram-me depois de o Governo ter anunciado o alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12º ano. Tendo em conta a minha profissão, só deveria ficar satisfeito com esta decisão. Mas, infelizmente, não estou tão seguro quanto ao sucesso desta medida. A escolaridade obrigatória até ao 9º ano foi uma decisão “natural”, tendo em conta a idade dos adolescentes e o perigo de os colocar no mundo do trabalho com aquelas idades. No entanto, volvidos estes anos todos, ainda há graves problemas porque a taxa de abandono escolar continua elevada, por isso é difícil falar em sucesso. Deste modo, prolongar por mais anos a escolaridade obrigatória é dar um salto em frente sem ter resolvido o que faltava.
Quando tinha 16 anos, pude escolher; ninguém me obrigou a nada, muito menos o Estado. A única coisa que lamento do meu tempo é que as escolhas em termos de cursos eram muito limitadas. O sucesso desta medida, anunciada pelo actual governo, só será alcançado quando todos os jovens sentirem que a escola lhes dá algo de verdadeiramente proveitoso para o seu futuro. Assim, não será necessário obrigá-los a frequentá-la pois, irão de livre vontade.
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