Obrigado, Carlos César
Nunca tive oportunidade de falar com Carlos César, muito menos apertar-lhe a mão. Não foi por falta de vontade, mas sim por falta de oportunidade.
Sempre tive dúvidas acerca do tabu que fora criado à volta da recandidatura de Carlos César a um novo mandato. Por isso, fiquei agradavelmente surpreendido com o anúncio da sua renúncia a uma nova candidatura como presidente do Governo Regional dos Açores.
Não vou ser cínico, nem entrar com rodeios ou malevolências políticas. Vou simplesmente elogiar um homem que deu o seu talento, o seu trabalho, e realizou os seus sonhos em prol da sua terra.
Quando cheguei aos Açores em 1995, o Governo de Mota Amaral sofria um desgaste notório. Cavaco Silva era Primeiro-ministro em fase de extrema contestação popular, mas também de despedida. O PS alcançava o poder com António Guterres na República e com Carlos César nos Açores. Com ele, vinha um novo paradigma de desenvolvimento par a Região, suportado em grande parte pelos fundos europeus.
Conheci dois Açores. O primeiro, extremamente atrasado e conservador. Relembro uma campanha promocional de luta contra a SIDA em que os pacotes de açúcar, servidos nos cafés, tinham como desenho um preservativo. Mota Amaral decidiu censurar esta iniciativa. A forma como o histórico do PSD Açores deixou a presidência e votou o PSD Açores a um período de nojo político e falta de rumo prolongados, que só há pouco tempo foram superados pelo partido, marcam negativa e traumaticamente o seu consulado. O segundo foi criado por Carlos César. Com o novo Governo Regional, a Região dava um pulo em termos de desenvolvimento, abrindo-se para o mercado turístico sob o signo da ecologia e do respeito pelo ambiente. Porém, nem tudo corria como rosas.
O Governo da República criava o Rendimento Mínimo e o governante açoriano via, com essa iniciativa, uma forma de angariar ainda mais a simpatia dos açorianos. Sem querer, iria cometer um erro tremendo: nascia a pobreza endémica dos Açores e começava a caça à subsídio-dependência. Aumentava o número de boys e de empresas públicas: o governo regional substituía-se à iniciativa privada.
Entretanto, Berta Cabral tornava-se presidente da Câmara de Ponta Delgada. Começava o despique institucional; as outras ilhas iam ficando para trás. Do desenvolvimento harmónico dos Açores, passava-se a um desenvolvimento unipolar e centralizador.
Não obstante as minhas divergências políticas e ideológicas com Carlos César e o Partido Socialista, nada apaga o bom que foi feito até agora no arquipélago. Em suma, o balanço que faço dos 16 anos de poder é francamente positivo.
Ao anunciar que deixa a política regional, dá uma grande lição de Democracia a todos os políticos portugueses, sobretudo num momento em que na outra região autónoma, a Madeira, o presidente, que lá está há mais de trinta anos, ainda concorre para mais um mandato. Não tendo qualquer cultura democrática, Alberto João Jardim caminha para o descrédito total, destruindo assim toda uma carreira política que já foi, em tempos, brilhante.
E, de facto, tudo tem o seu tempo. Carlos César percebeu isso. A democracia portuguesa agradece. Para o bem e para o mal, os cargos políticos devem ser de duração efémera, dando-se oportunidades a outros para poder mostrar o que valem. Esta acepção da política devia fazer parte do bom senso, mas infelizmente não. Carlos César definitivamente entra na história da política regional e nacional, integrando a lista dos grandes estadistas da Nação.
Obviamente, que o futuro político de Carlos César não acaba aqui. Por causa da idade, por ter talento e ambições, não será de estranhar que seja convidado para outros voos de carácter nacional ou até internacional.
Há tempos, sugeri que o melhor cargo que Carlos César poderia ocupar, tendo por base o seu percurso, seria o de Presidente da Fundação Luso-Americana (FLAD), a fundação mais prestigiada e rica do país. Apesar das diferenças políticas, o Governo da República só teria a ganhar com esse convite.
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