A inveja social
O que se passou no Parlamento na semana que antecedeu a Páscoa prova bem que em termos de autoridade moral os políticos, nomeadamente o governo, deveriam pensar duas vezes antes de querer apregoar o que deve ser feito para melhorar a produtividade do país. Mais cedo ou mais tarde, aquilo que se diz pode ser cobrado e, até, a dobrar.
Durante a segunda metade do ano de 2005, quando o governo de José Sócrates tomou as funções em pleno, o Primeiro-Ministro e alguns dos seus ministros, num exercício que parecia reformador mas que afinal não passa de demagógico, atacaram fortemente algumas classes de trabalhadores, sobretudo ligadas à Função Pública. Desde a educação à justiça, a mensagem para a opinião pública, muito bem aceite pela Comunicação Social, é de que há uma classe de privilegiados que trabalha pouco para aquilo que ganha. A propaganda resultou em pleno. Os trabalhadores do sector privado revoltaram-se contra os do sector público. O governo é quem manda: os professores foram obrigados a ficar mais tempo dentro das escolas, mesmo que estejam na sala de professores a amaldiçoarem a sua condição de vítimas do sistema em vez de efectivamente produzir: os juízes deixaram de ter “férias judiciais” porque os processos serão supostamente concluídos mais rapidamente. Resultado do espírito moralizador deste Estado: doravante, os professores, tal como os juízes não fazem mais nada para lá das horas estipuladas.
No meio disto tudo, os deputados que representam toda a Nação, mas que também são funcionários públicos, esqueceram-se ou faltaram a uma das sessões mais importantes do Parlamento: a da votação de leis. A Comunicação Social, que não deixou de ser coerente com a perspectiva moralizadora do governo, anunciou ao país o que se tinha passado naquele dia. De certeza que já acontecera o mesmo no passado. Esta lição de moral serviu mais para o governo do que para os deputados. Se a oposição falou e se auto condenou, o governo, pelo nome do Primeiro-Ministro, não disse rigorosamente nada. Pois é; mais vale estar calado e reler os sermões de São Tomás.
Infelizmente, o que se discutiu na semana seguinte incidiu sobre a competência dos deputados e sobre a razão de existir do Parlamento. Conversa totalmente errada. Os deputados, envergonhados, tiveram de escrever ou falar nas televisões justificando as suas ausências das votações. Propósito totalmente errado. Os jornalistas-pivots quase que se babavam de satisfação perante tamanha redenção por parte de pessoas tão notórias. Comportamento totalmente justificado.
O Estado, que é o maior empregador do país, não respeita e humilha os seus trabalhadores. O português é, na sua maneira de ser, invejoso. Em vez de incutir o sentido da responsabilidade e da produção em função de objectivos, o Estado limita-se à política do parecer. Um funcionário que esteja numa repartição das 9 às 5 em frente a um computador, mesmo que esteja a jogar cartas, vale mais do que aquele que prefere laborar em casa por ter melhores condições e que até trabalhe fora do horário. Os grandes gestores do sector privado trabalham segundo este prisma, sempre disponíveis até para se deslocarem à empresa ao Domingo. É tudo uma questão de depositar confiança nas pessoas e na certeza do cumprimento das suas responsabilidades. Não se pode punir toda uma classe de trabalhadores por haver quem não cumpra devidamente a sua função.
O governo que tanto contesta os direitos adquiridos e se serve da população para dar força a esta contestação não se pode esquecer que foram os governos anteriores, desde o 25 de Abril, que os concederam aos trabalhadores. Que eu saiba, só existe um Estado.
A ladainha de sempre que diz que há trabalhadores melhores do que outros fica mal aos deputados. A forma como são recrutados é que origina o equívoco de haver melhor deputados do que outros. Como é que um deputado do círculo de Braga pode ser melhor para as regiões autónomas do que um deputado eleito pelos Açores?
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