Love Story
Ele adora a sua mulher. Gosta tanto dela que até a matou. No quarto, cheira a cigarro e a morte. Ele fuma incansavelmente e pensa. Pensa que o que ele fez há dez minutos atrás foi com razão. Ela já não pensa. Estendida no chão, de costas para o ar, não acatou os avisos do marido e morreu. Melhor dizendo, ele matou-a.
Matá-la fora um acto simples. Com a sua destemida força, bateu-lhe primeiro na cara. Quando ela se protegeu com as mãos, ele deu-lhe pontapés até ela cair. Quando quis buscar o cinto ao armário para continuar o castigo, ela fez o que nunca tinha feito até agora: tentou fugir. Em vez do cinto, já que não iria conseguir alcançá-la, pegou na pistola que estava escondida na mesma gaveta e disparou. Com a força da bala, ela foi projectada contra a cómoda, partindo uma jarra que ele lhe tinha oferecido pelos anos.
Agora, ele está mais descansado. Sente-se aliviado. Ele amava-a até desconfiar da sua infidelidade.
Se virmos as coisas numa perspectiva isenta e rigorosa, ele não tinha razões de queixa em relação a ela. Ela fazia tudo para o satisfazer, tanto na cama como em qualquer divisão da casa. Mas ele sentia que, por vezes, esta obediência cega escondia alguma coisa. Quem nunca põe em causa uma ordem é porque não dá a devida importância à outra pessoa que manda.
Foi vigiar a rotina da mulher. Descobriu que ela se encontrava com um homem em frente à escola do filho de cinco anos de idade. Era o professor do filho. Já anteriormente batera no filho para saber se a mãe ia à escola falar com o tal professor. O filho sempre negara e ele acreditou. Todavia, estava agora, perante os seus olhos, a prova de uma conspiração entre mãe e filho na tentativa de o enganar.
Nesse dia, ele sabia que o castigo tinha de ser maior. Quando ela chegasse a casa, iriam ter, mais uma vez, uma conversa séria.
Ela e o filho chegaram a casa. Ela não esperava vê-lo tão cedo, pois, em dia normal, a estas horas, ainda se encontraria no trabalho ou no café. Com a garrafa meia cheia, ele tinha um ar sério e ameaçador. Algo tinha acontecido, só não sabia o quê. Ele fez perguntas. A cabeça dela começou a andar à roda com tantos gritos e empurrões. Como ele previra, ela negou todas as acusações. Como se sabe, acabou por matá-la. Às tantas, exagerou. O mal está feito, não há forma de voltar atrás. Como se sabe, não está arrependido; está a fumar um cigarro.
Ouve um carro a estacionar em frente à casa. Por entre a cortina, vê a polícia. Vai ter de responder perante a justiça pelo crime que cometeu. Mas, por agora, dirige-se ao quarto do filho que se encontra por baixo da cama, tapando os ouvidos. Ele sabe que vai ter de abrir a porta e mostrar aos agentes a mulher morta. Vai ser preso e julgado como nos filmes. Ele sabe que o tribunal vai mandar o filho para adopção naqueles colégios onde só há pedófilos. No quarto, ele levanta a cama; o filho olha para ele, tremendo de medo. Mais vale acabar já com o sofrimento. O seu filho não merece. O pai beija-o, aponta-lhe a arma à cabeça e dispara. A porta da entrada é arrombada. Ouve-se um segundo disparo. A história de amor chega ao fim.
Mal o Professor se despediu da mãe do seu aluno, dirigiu-se logo ao gabinete do Director. Aquilo que ouvira era demasiado grave e preocupante. Violência física e psicológica constante sobre a mulher e a criança. Um marido alcoólico e ciumento de forma doentia. A mulher não aguentou tantos anos de sofrimento silencioso e decidiu confiar este segredo à única pessoa que a poderia ajudar: o professor do seu filho. Posteriormente, por obrigação moral e legal, este avisou o Director da escola para desencadear o processo de averiguação junto das autoridades competentes.
O Professor regressava a casa satisfeito por ter feito uma boa acção. O telemóvel tocou. No visor, constava o número da escola. “Porreiro – pensou o professor –, devem ter apanhado o gajo”.
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