Complot

Este blogue nada tem de original. Fala de assuntos diversos como a política nacional ou internacional. Levanta questões sobre a sociedade moderna. No entanto, pelo seu título - Complot -, algo está submerso, mensagens codificadas que se encontram no meio de inocentes textos. Eis o desafio do século: descobri-las...

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domingo, agosto 28, 2005

Voltar à Terra

Festa na aldeia. João Pereira regressa a Portugal para uma férias depois de ter estado quinze anos em França. É o reencontro com os cheiros, as paisagens e as gentes que povoaram sua infância. Os tempos mudam tal como as gentes. Sim, as gentes: mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, já dizia o poeta.
O João encontra-se com o Custódio, amigo de infância, que ficou em Portugal. É carpinteiro, casou com a Maria Antónia, operária numa fábrica têxtil da terra. O pátio da igreja iluminada está apinhado de gente. Realizam-se as festas em honra de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da freguesia. Lá ao longe, nos montes, vê-se a terra em fogo. Apesar de o tempo limpo, o céu estrelado encontra-se ofuscado pelo fumo das chamas que devoram o parque florestal do concelho. Esta noite, actua a orquestra “Jaquésão”, que relembra todos os êxitos da música ligeira portuguesa e também os grandes sucessos da música brasileira.
- Lembras-te deste pátio, Custódio? Grandes aventuras! Como está a aldeia? Só vejo casarões, mas lá em França a RTP diz que o país está em crise...
- Vai-se andando, João. Tem de se fazer pela vida, jogar malandro. O governo só sabe buscar dinheiro ao povo. O rico safa-se sempre. Sabes, o pessoal continua a emigrar. Não está nada bom!
- Pois é! Mas vejo tanta obra. Tem de haver dinheiro e pessoal para trabalhar.
- Não te preocupes João! Temos agora os ucranianos e os brasileiros! O dinheiro vem de Bruxelas. De mais a mais, vai haver eleições, por isso é que vês isto num rebuliço...
- Vi o Samuel num cartaz. Acho que era do PSD. Ele era um malandro na escola, deu para político. Quem diria?
- Não sabes o que já deu para falar! Ele é do PS mas como o Tónio do café, que é o presidente da junta, vai pelo PS, o Samuel tem de concorrer pelo PSD.
- O Tónio é o presidente? A freguesia tem boas estradas até à cidade; dantes era só terra. Às tantas, ganha outra vez...
- Qual quê, João! As estradas são obras da câmara. Sabes o que o Tónio fez enquanto presidente? Fez uma ampliação ao café e um grande casarão com piscina! É lá onde vai parar o dinheiro da junta! Mas entre um que pega no dinheiro e faz obras em casa e outro que muda de partido como quem muda de camisa, só sei dizer que as eleições vão ser renhidas. Repara neles a cumprimentarem as pessoas. Antes disso, o Manel da ponte nem ia às missas; agora até às crianças dá os bons-dias. Se estes são assim, imagina então os deputados e ministros!
- É a política, Custódio! Este ali não é o Sidónio? Quem é rapariga ao lado? A filha?
- Nem me fales, João! Deixou a mulher por este pedaço de carne brasileira. Ela trabalhava na boîte da cidade; ele conheceu-a lá e tirou-a da vida. Foi uma bronca cá na aldeia! Até a GNR teve de intervir. O cunhado queria matá-lo. Olha: uma vergonha, como nas novelas da TV.
- Lá na França, Custódio, não há tempo para ver mulheres bonitas. Muito trabalho. Comprei o BMW que viste. Foi caro mas é uma máquina! Lá não dava para puxar por ele, mas aqui já lhe dei bem gás! Ó Custódio. Aqui, o povo é que anda depressa. Na RTP até dizem que parece que o país anda em guerra.
- Pois é! Mas com as novas auto-estradas, só dá vontade de puxar pelo acelerador…
O concerto chegara ao fim. De repente, ouviu-se um foguete que anunciava o fogo de artifício que iria encerrar as festas.
- Custódio! O governo não disse que era proibido deitar foguetes por causa dos incêndios?
- Disse, João. Mas onde é que tu já viste festa sem foguetes?

Esta estória é dedicada ao futuro Museu Nacional da Emigração de Fafe.

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