A memória e o sonho
Ultimamente, as expressões “No meu tempo…” ou “Antigamente…” têm sido cada vez mais repetidas pelos portugueses. Apesar de parecerem citações paternalistas e vistas de forma jocosa, elas são um reflexo do estado depressivo em que se encontra o país. Uma nação cujos cidadãos se voltam para o passado numa tentativa vã de reviver alegrias, porque o presente é triste e o futuro é demasiado incerto e obscuro, é um país que está a ditar a sua própria autodestruição.
No século XXI, as pessoas vivem melhor em todos os aspectos. Apesar de o bem-estar ser global, não é, porém, total. Guerras, fome, doenças, crimes, intolerância religiosa e outros males ancestrais continuam a existir e a persistir. Serão estes males genéticos, inerentes do Homem? Não. Se o fossem, o mundo seria um caos e a Humanidade teria sido aniquilada há muito tempo. A História tem demonstrado que as nações têm passado, ao longo do tempo, por momentos cíclicos ora de paz e prosperidade, ora de conflitos e incertezas. No primeiro momento, o sonho e a ambição levam o homem a criar mais riqueza, seja ela de que tipo for, porque a vontade de prolongar a “actual” felicidade para o futuro é o mais importante. No segundo momento, cultiva-se a memória do passado porque o “actual” presente é sombrio e triste. Procura-se então um passado, seja ele recente ou antigo, e adorna-se de forma a recriá-lo. Mais concretamente, os portugueses fazem muitas vezes referência ao período dos Descobrimentos (século XV) como sendo o apogeu de Portugal no domínio do mundo. Contudo, no processo de recontar a História, omitem-se as barbaridades cometidas pelos lusitanos aos povos indígenas das terras descobertas e às populações africanas que foram escravizadas para trabalhar nas novas terras. Mesmo ao referir-se às actividades económicas, omite-se o facto de Portugal não ter ganho muito com o que descobriu, pois endividara-se imenso para realizar as viagens além-mar. Muita mercadoria trazida destinava-se as pagar os créditos facultados por outros países europeus. A forma de reinterpretar a História para alimentar o imaginário das pessoas tem servido para aliviar as suas aflições. O enaltecimento de pessoas ou entidades bem sucedidas que pertencem ao presente é sintomático dessa vontade em permanecer no mundo das memórias e não dos sonhos.
Actualmente, qualquer pai atento à realidade que o circunda considera o mundo mais perigoso do que aquele em o filho nasceu. De forma inconsciente, transmite-lhe sinais de precaução redobrada em relação a tudo, frisando quase, em certos casos, a paranóia. Imagine-se então uma criança da Palestina ou do Iraque. Enquanto que a uma criança ocidental de um país desenvolvido se promete comodismo e facilitismos ao ponto de a tornar pateta, a criança palestiniana ou iraquiana é educada com um único propósito: sobrevivência ou morte. Os líderes extremistas ou religiosos aproveitam o medo e a frustração das pessoas para transmitir a sua mensagem de ódio. Cria-se então dois campos: por um lado, a televisão ou a Internet mostra às crianças o mundo exterior repleto de sonhos. Por outro lado, os seus líderes políticos ou religiosos, com um discurso radical, mostram-lhes um mundo de memórias. Este último lado acaba por vencer porque os tais líderes tratam de subverter o mundo dos sonhos, atribuindo-lhe um sinal de decadência.
Numa entrevista recente dada a um jornal espanhol, o prémio Nobel da literatura, José Saramago, duvida que Portugal ainda exista daqui 50 anos. Fazendo um paralelismo com a antiga Jugoslávia, afirma que o mais normal será a sua anexação a Espanha. Antes de Saramago, já alguns intelectuais portugueses de renome teorizaram da mesma forma. Mais uma vez, a vontade de desistir mostra até que ponto a imaginação é fértil. Se nalguns casos, explodir-se num determinado local pode ser uma solução para acabar com a frustração, noutro caso, pode-se, simplesmente, renegar o sentimento de pertença a um país e à nacionalidade deixando-a ser “engolida” por outra. Mas o mais paradoxal, contrariando toda a visão fatalista do escritor, é que a região da Catalunha esteja, actualmente, em tremendos esforços políticos para que lhe seja concedida mais autonomia, caminhando para uma independência do Estado espanhol. Pode ser paradoxal, mas é perfeitamente normal: a Catalunha e toda a Espanha encontram-se num período de sonhos…
No século XXI, as pessoas vivem melhor em todos os aspectos. Apesar de o bem-estar ser global, não é, porém, total. Guerras, fome, doenças, crimes, intolerância religiosa e outros males ancestrais continuam a existir e a persistir. Serão estes males genéticos, inerentes do Homem? Não. Se o fossem, o mundo seria um caos e a Humanidade teria sido aniquilada há muito tempo. A História tem demonstrado que as nações têm passado, ao longo do tempo, por momentos cíclicos ora de paz e prosperidade, ora de conflitos e incertezas. No primeiro momento, o sonho e a ambição levam o homem a criar mais riqueza, seja ela de que tipo for, porque a vontade de prolongar a “actual” felicidade para o futuro é o mais importante. No segundo momento, cultiva-se a memória do passado porque o “actual” presente é sombrio e triste. Procura-se então um passado, seja ele recente ou antigo, e adorna-se de forma a recriá-lo. Mais concretamente, os portugueses fazem muitas vezes referência ao período dos Descobrimentos (século XV) como sendo o apogeu de Portugal no domínio do mundo. Contudo, no processo de recontar a História, omitem-se as barbaridades cometidas pelos lusitanos aos povos indígenas das terras descobertas e às populações africanas que foram escravizadas para trabalhar nas novas terras. Mesmo ao referir-se às actividades económicas, omite-se o facto de Portugal não ter ganho muito com o que descobriu, pois endividara-se imenso para realizar as viagens além-mar. Muita mercadoria trazida destinava-se as pagar os créditos facultados por outros países europeus. A forma de reinterpretar a História para alimentar o imaginário das pessoas tem servido para aliviar as suas aflições. O enaltecimento de pessoas ou entidades bem sucedidas que pertencem ao presente é sintomático dessa vontade em permanecer no mundo das memórias e não dos sonhos.
Actualmente, qualquer pai atento à realidade que o circunda considera o mundo mais perigoso do que aquele em o filho nasceu. De forma inconsciente, transmite-lhe sinais de precaução redobrada em relação a tudo, frisando quase, em certos casos, a paranóia. Imagine-se então uma criança da Palestina ou do Iraque. Enquanto que a uma criança ocidental de um país desenvolvido se promete comodismo e facilitismos ao ponto de a tornar pateta, a criança palestiniana ou iraquiana é educada com um único propósito: sobrevivência ou morte. Os líderes extremistas ou religiosos aproveitam o medo e a frustração das pessoas para transmitir a sua mensagem de ódio. Cria-se então dois campos: por um lado, a televisão ou a Internet mostra às crianças o mundo exterior repleto de sonhos. Por outro lado, os seus líderes políticos ou religiosos, com um discurso radical, mostram-lhes um mundo de memórias. Este último lado acaba por vencer porque os tais líderes tratam de subverter o mundo dos sonhos, atribuindo-lhe um sinal de decadência.
Numa entrevista recente dada a um jornal espanhol, o prémio Nobel da literatura, José Saramago, duvida que Portugal ainda exista daqui 50 anos. Fazendo um paralelismo com a antiga Jugoslávia, afirma que o mais normal será a sua anexação a Espanha. Antes de Saramago, já alguns intelectuais portugueses de renome teorizaram da mesma forma. Mais uma vez, a vontade de desistir mostra até que ponto a imaginação é fértil. Se nalguns casos, explodir-se num determinado local pode ser uma solução para acabar com a frustração, noutro caso, pode-se, simplesmente, renegar o sentimento de pertença a um país e à nacionalidade deixando-a ser “engolida” por outra. Mas o mais paradoxal, contrariando toda a visão fatalista do escritor, é que a região da Catalunha esteja, actualmente, em tremendos esforços políticos para que lhe seja concedida mais autonomia, caminhando para uma independência do Estado espanhol. Pode ser paradoxal, mas é perfeitamente normal: a Catalunha e toda a Espanha encontram-se num período de sonhos…
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