São Miguel exige a sua carta de alforria
Este título provocatório advém de um
saudável despique que tive com o caloroso escritor Cristóvão de Aguiar, a propósito
das tentações independentistas que grassam nalgumas mentes. Apesar de o assunto
ser sério, é possível conferir-lhe algum cinismo, de maneira a não incendiar ainda
mais a polémica. Contudo, as últimas semanas despertaram, de forma preocupante,
este tema por causa do diferendo entre a Câmara de Comércio de Angra e a de
Ponta Delgada.
Já há alguns anos que personalidades
de vários quadrantes da Ilha Terceira - e não só – têm denunciado um
centralismo perigoso por parte do Governo Regional em prol da Ilha de São
Miguel. Por isso, a decisão de cancelar a construção do cais de cruzeiros em Angra
foi duramente criticada pela Câmara de Comércio da cidade-património. O que
ninguém estava à espera é que a Câmara de Comércio e Indústria de Ponta Delgada
entrasse em conflito aberto com a sua congénere, ao afirmar que os investimentos
públicos não podem ser feitos à custa dos contribuintes micaelenses.
Esta divisão é grave, porque coloca
as desigualdades entre ilhas num plano puramente financeiro e económico. Supostamente,
se a ilha maior é quem mais contribui para o desenvolvimento dos Açores, não
pode ser ela a acarretar com todas as despesas, sem o respetivo retorno. Esta
ideia é perigosa. Põe em causa a viabilidade das ilhas mais pequenas, que, por
questões infelizmente óbvias, apresentam debilidades que fazem com que acabem
por gerar mais despesas do que receitas. Se levarmos isto à letra, podemos questionar
tudo, nomeadamente se vale a pena manter todas as ilhas habitadas.
Ora isto é impensável. Nenhuma ilha
quer desenvolver-se à custa de outra. Mas é preciso ser intelectualmente honesto:
ao criar as Ilhas de Coesão, o governo reconhece que é preciso discriminar positivamente
as ilhas mais pequenas e isto só pode ser feito com a solidariedade das ilhas
mais prósperas. Era só o que faltava que o discurso punitivo da Alemanha em
relação aos países do sul da Europa se tornasse moda em São Miguel.
A Terceira já não é só de nome, é doravante
a sua posição. A segunda maior ilha deixou de o ser. Há a primeira, São Miguel,
e depois há as restantes. Assim vai o arquipélago dos Açores. Podemos acusar a
falta de dinamismo das empresas terceirenses, podemos culpar os políticos por
não fazer o suficiente pela sua terra, podemos alegar a inércia dos
terceirenses, mas o que não podemos é calar-nos perante as vacilações do
Governo Regional, a instituição que deveria zelar pela Região como um todo e de
forma imparcial.
Subscrevo as declarações da Câmara
de Comércio de Ponta Delgada quando defende que “tardam soluções céleres para o
desenvolvimento dos Açores, pela perceção errada de onde está o equilíbrio
entre o desenvolvimento competitivo e o desenvolvimento harmónico.” Um cais de
cruzeiros para a Terceira não era uma obra menor, mas continha grandes riscos,
daí a divisão que provocou na sociedade. Ou resultaria em algo de estruturante
para a economia da ilha dos bravos ou transformar-se-ia num monumental elefante
branco. Havia demasiadas dúvidas por esclarecer e demasiado dinheiro para gastar.
Contudo, independentemente da pertinência da obra, partiu da falsa premissa de
que todas as ilhas precisam das mesmas infraestruturas. Nada mais errado.
O que falta a este Governo – que é o
prolongamento dos anteriores governos cesaristas – é ter uma visão estratégica
e global dos Açores. O executivo precisa de parar para pensar, pois não se pode
dizer que as coisas lhe estejam a correr de feição. Do malogrado diploma para a
vinculação de professores, das dúvidas relativas à compra de navios ao cais de
cruzeiros, num curto espaço de tempo, o Governo tem demonstrado fragilidades que
não podem ser escondidas, muito menos desvalorizadas. Esbanjar dinheiro dos
contribuintes em programas e remunerações complementares pode parecer bom, mas
é muito redutor quando se olha para os Açores para lá do fim do mês.
Decorrido mais de um ano após a tomada
de posse, o Governo pena para encontrar um rumo.
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