Complot

Este blogue nada tem de original. Fala de assuntos diversos como a política nacional ou internacional. Levanta questões sobre a sociedade moderna. No entanto, pelo seu título - Complot -, algo está submerso, mensagens codificadas que se encontram no meio de inocentes textos. Eis o desafio do século: descobri-las...

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Localização: Praia da Vitória, Terceira, Portugal

segunda-feira, outubro 31, 2005

Os verdadeiros privilegiados

O país avança nas reformas e a contestação social continua. “Juízes e magistrados estão a convocar a greve por um único motivo: não querem ter um sistema de protecção na doença igual ao que eu tenho e os funcionários públicos.” Palavras do primeiro-ministro sobre a greve dos funcionários judiciais, que ocorreu na semana passada. Eis mais uma prova de que este governo, em vez de optar pelo discurso pedagógico que consistiria em apelar ao espírito de sacrifício dos portugueses, prefere declarar “guerra” aos ditos privilégios de certas classes profissionais.
No entanto, a demagogia barata e mentirosa parece funcionar melhor. Se alguns portugueses caíram na armadilha, então é bom que sejam esclarecidos sobre quem são os verdadeiros privilegiados.
O que José Sócrates disse sobre o seu sistema de segurança social não é verdadeiro. Não interessa saber se o primeiro-ministro se enganou ou se faltou à verdade; o que interessa é que, com estes propósitos, conseguiu dividir ainda mais a sociedade civil ou, por outras palavras, o povo. Todos os ministérios, assim como os agregados familiares dos funcionários do Estado, podem ter um sistema de protecção social e de saúde alternativo para além da ADSE. Toda a gente concorda que os sacrifícios devem ser feitos por todos. Porém, como se pode constatar, a demagogia venceu. Na verdade, quem é que acredita que um primeiro-ministro possa ter um sistema de protecção social e de saúde pior que outros funcionários públicos?
Nos primeiros meses de governação, o Governo, com apoio da maioria socialista, reformulou a lei das subvenções dos políticos. Em nome de uma certa justiça moral e com espírito de missão patriótica, os políticos também prescindiriam das regalias a que tinham direito. Esta lei teria, em teoria, aplicação visível já nas eleições autárquicas de Outubro. Contudo, por um atraso pouco compreensível, a dita lei demorou a ser enviada para promulgação por parte do Presidente da República. Esta demora fez com que os autarcas recém empossados já não sejam abrangidos pela dita alteração legislativa. As tomadas de posse dos novos executivos camarários foram feitas ainda no mês de Outubro. A partir de Novembro, a nova lei entra em vigor.
Se não fosse a leitura dos jornais, eu acharia perfeitamente normal o facto de os políticos eleitos quererem trabalhar o mais rapidamente possível. Às vezes, ainda me rio da minha ingenuidade.
Em França, aquando de uma greve dos transportes públicos, jornalistas entrevistavam pessoas que se encontravam retidas nas estações de comboio. Essas pessoas lamentavam o facto dessa greve afectar a sua vida pessoal. Todavia, diziam que estavam solidárias com os grevistas. Em Portugal, o povo não é uno. Nas televisões, rádios e jornais vêem-se pessoas a contestar qualquer greve, alegando a obrigação de todos serem tratados por igual.
Em democracia, trata-se por igual quem é igual e diferente quem é diferente. Nem todas as profissões, mesmo dependentes do mesmo patrão – o Estado, por exemplo –, podem ser comparadas e ter um tratamento por igual. Um militar e um funcionário dos Correios devem ter o mesmo sistema de protecção social?
Chegou a altura da Revolução Francesa chegar a Portugal.

domingo, outubro 30, 2005

Geração de risco

O processo de democratização da escola, bem como o seu acesso gratuito e obrigatório, transformou a sociedade de hoje. No passado, pelo menos há trinta anos atrás – o que é recente –, só as elites sociais tinham condições económicas para levar à prossecução dos estudos dos seus filhos. Consequentemente, estes tornavam-se, por sua vez, elites da mesma sociedade. Este processo era parecido com a aristocracia: uma geração que se perpetuava nos lugares privilegiados por direito inalienável. Actualmente, temos pessoas de várias origens sociais, culturais e até étnicas que vingam na vida, desempenhando todo o tipo de funções na sociedade. Mas será mesmo assim? Quando se fala em sucesso escolar, será que todos têm as mesmas hipóteses que qualquer filho de professor, médico, engenheiro ou até ministro?
Em Portugal, o abandono escolar precoce é um “mal a abater”. Muitas razões levam à desistência da escola por parte de uma grande percentagem de alunos. Mas a razão principal resulta do insucesso escolar. Ter más notas leva ao desinteresse e vice-versa. Há, sem sombra de dúvidas, alunos com problemas de aprendizagem. As escolas dispõem de leis e professores preparados para este tipo de situações: ninguém deverá ficar excluído. No entanto, os alunos mais problemáticos não têm dificuldades de carácter cognitivo. Têm problemas de carácter social. Nesta situação, a lei é ambígua e os professores não estão devidamente informados e preparados para fazer face a um problema cada vez mais frequente nas escolas portuguesas e, diria eu, nos países industrializados.
Muitas escolas dispõem de psicólogos, mas carecem de assistentes sociais. São necessários profissionais especializados nesta área para prevenir o risco de insucesso nos estudos, e consequente abandono, que pode levar a implicações graves como o consumo de drogas ou a delinquência juvenil. Os pais, primeiros responsáveis pelos actos dos filhos, não sabem, não têm tempo, não se dão conta ou não fazem conta do que se passa em casa. Mas a primeira a sofrer as consequências de tal desvio de comportamento é a sociedade. O medo e a insegurança instalam-se. Contra isso, volta-se a reforçar a autoridade dos professores. Exige-se que o adolescente tenha mais responsabilidades e responsabiliza-se criminalmente os pais em caso de prática de actos ilícitos por parte do jovem. Estas ideias podem ser correctas, mas estão alheias do mundo que rodeia este jovem. Interessa saber que tipo de pais este jovem tem; que tipo de intimidade e confiança ele possui e partilha com a família. É também importante saber se existem ou não recursos económicos em casa para o apoiar nos estudos. Infelizmente, o Estado não está omnipresente para detectar todos os casos de famílias carenciadas e/ou problemáticas.
Os pais com posses e estatuto social escolhem as melhores escolas, públicas/privadas, onde os seus filhos podem estudar sem saber o que é o insucesso ou a violência na escola e onde a única preocupação é ter os melhores professores para que o seu desenvolvimento cognitivo seja bem sucedido, pois o sucesso na escola significa sucesso na vida. A televisão mostra a realidade que existe do outro lado do muro social. Mas, tal como um filme: quando desligamos, voltamos à nossa realidade, com a consciência de que aquilo que vimos no ecrã nunca nos acontecerá.
São dois mundos que se encontram, mas que quase nunca se chocam. De uma forma geral, todos os pais querem o melhor para os filhos, isto é, dar-lhes mais do aquilo que tiveram. O Estado tem sido o guardião dos direitos de igualdade de oportunidades dos jovens quando os pais não podem ou até quando estes nem sequer existem. Contudo, a vontade de nos tornar mais iguais, torna-nos cada vez mais diferentes.

quarta-feira, outubro 26, 2005

Sabe quem é o melhor amigo do seu filho?

Ao longo do tempo, sobretudo nas últimas décadas, com o progresso tecnológico e científico, conseguimos melhorar substancialmente a nossa qualidade de vida. A verdadeira ambição é a de dar um mundo melhor para os nossos filhos e as gerações vindouras. Contudo, as obrigações que os pais têm para com a sociedade (trabalho) os impedem de acompanhar de forma profícua e plena o crescimento dos seus filhos. Como serão estes cidadãos no futuro?
Os pais trabalham arduamente para dar o melhor aos seus filhos. No entanto, o filho (ou a filha) tem maus resultados na escola e até parece que o seu comportamento é problemático. Porquê? Como é que ele (ou ela) não entende o esforço dos pais para que ele tenha uma melhor vida do que eles?
Quando a criança tem de ficar sozinha em casa, enquanto os pais vão trabalhar, a televisão serve de companhia e até de amiga. Mais recentemente, o computador e os videojogos tornaram-se novas alternativas à televisão. Quantas horas por dia o seu filho passa em frente à TV ou em frente ao computador e, porque não, em frente aos dois? Claro que é mais seguro ele estar em casa do que lá fora com companhias que lhe podem trazer complicações (violência, álcool, droga...). No entanto, este sedentarismo, acrescido a uma alimentação descuidada, tem trazido novas doenças infantis: a obesidade, diabetes, problemas respiratórios...
Os novos brinquedos do século XXI, o telemóvel e a Internet, têm modificado a forma como os jovens se relacionam entre si e com o mundo. Se, por um lado, o acesso à informação e ao conhecimento é mais fácil e de melhor qualidade, o espírito crítico desses jovens se vai desvanecendo, pois eles tornam-se elementos passivos, assimilando o que lhes aparece à frente, no ecrã, sem haver interacção. Passando horas em chats e outros programas de conversações como o Messenger, a nova geração comunica com amigos virtuais, enceta “relações amorosas” com uma pessoa de outro país, sem nunca o ter visto e desabafa sobre as coisas mais profundas do seu dia-a-dia, usando a escrita, porque não é capaz de o dizer olhos nos olhos.
O adulto, tão atarefado com a sua vida, pouco sabe dos problemas, das inquietações do filho. A nível material, está igual ao filho do senhor doutor, por isso tem tudo para ser feliz. Então, porque é que há tanta depressão na adolescência?
Não existe uma receita milagrosa para fazer do seu filho alguém de excepcional. Mas há algo que todos têm, que não custa nada e que pode ajudar a fazer do seu filho uma pessoa formidável: o amor. O verdadeiro, não o material. Traduz-se em passar mais tempo com ele falando e ouvindo-o a falar. Há um momento do dia em que toda a família se junta: o jantar. Mas, no jantar, quem fala é, muitas vezes, o apresentador do telejornal. A televisão deveria permanecer desligada nesse preciso momento do dia. A televisão não deveria existir no quarto do filho. Como se consegue saber a que horas ele verdadeiramente dorme? Quanto ao computador. É preciso não o deixar passar demasiado tempo “ligado em rede”.
Por vezes, uma criança ou um jovem tem de ouvir um não por parte do pai (ou da mãe). Não se trata de um autoritarismo cego, mas de incutir o respeito e a educação. Porém, por mais que se pense dar bons conselhos aos filhos, eles têm de aprender sozinhos o sentido do bom e do mau, do correcto e do errado. Só assim poderão crescer, formando uma personalidade forte e única. Nada substitui a riqueza das experiências vividas.

domingo, outubro 23, 2005

O ranking das escolas

Há cinco anos para cá, o Ministério da Educação tem divulgado uma lista com os resultados dos Exames Nacionais das escolas secundárias do país. Mais conhecida por “Ranking das escolas”, esta lista permite, a todos os interessados na matéria, saber quais são e onde estão as melhores escolas do país. Será mesmo assim? Que a partir do resultado de um único exame se possa catalogar todo o trabalho de anos dos alunos e, consequentemente, de uma escola com todos os seus intervenientes?
Ao ver o ranking, logo nos primeiros lugares surgem as escolas privadas das cidades principais. Esta conclusão acaba por ser óbvia tendo em conta a classe social a que pertence os respectivos alunos. Uma classe média alta e, nalguns casos, bem abastada. A única escola pública que se encontra nos dez primeiros lugares tem em comum com as escolas privadas o facto de também ela ser constituída por alunos de classes privilegiadas. Alias é interessante verificar que a Ministra da Educação salienta que, no próximo ano, a tutela pretende “recolher indicadores sobre a composição social dos alunos”. O facto de se ser rico ou filho de pessoas cultas não é sinal de sucesso escolar garantido, mas, no entanto, é um factor determinante.
No cômputo geral, a média de todos os exames é negativa, o que acaba por dar uma perspectiva pessimista do panorama educativo português. Contudo, se muitos pedagogos são contra este tipo de “Top Mais”, algumas escolas, perante resultados pouco animadores, tomaram rédeas e estudaram formas de subir no “Top”. Por outras palavras, os alunos acabaram por ter melhores resultados. É o que interessa? O historiador Ramos do Ó defende que este processo é errado alegando que “as pessoas não estudam para saber, estudam para exibir o conhecimento no exame”. À primeira vista, este reparo parece certeiro. Porém, é preciso ver que os Exames Nacionais têm evoluído na sua concepção, em que privilegiam cada vez mais competências que só podem ser adquiridas ao longo de anos de estudo. Também é preciso analisar a forma como as “melhores escolas” organizam os currículos oficiais, acompanham o processo educativo dos seus alunos e aplicam regras de conduta no estabelecimento. Os factores exigência e rigor são usados diariamente e em todas as aulas. E, na minha opinião, esta é a receita para que haja sucesso nas escolas públicas, sejam elas de zonas ricas ou pobres. A democratização do ensino baixou o nível de exigência. É um facto, mas permitiu que milhares de pessoas vencessem na vida, quando lhes estava predestinado um futuro árduo e pouco risonho. Importa é subir gradualmente o nível de exigência nas escolas e impedir a facilitação com que é encarada a escola quer do ponto de vista curricular, como também disciplinar. Educar para a cidadania é um papel cada vez mais presente nas escolas. As escolas públicas, motor de desenvolvimento do país, devem ser acarinhadas por todas as pessoas e devem ter os meios para fomentar a esperança e não a resignação de que só o esperto ou o filho de fulano se pode “safar”. Importa encontrar mecanismos que levem os alunos a melhorarem o seu desempenho intelectual e escolar.
A alteração do horário de trabalho dos professores dentro da escola tem de ser profícua. Não se pode, em nome de uma sociedade que é levada por comentadores ignorantes no que respeita às escolas, obrigar um professor de inglês a substituir um professor de matemática. O sucesso desta medida só acontece se o professor der a sua própria matéria à sua própria turma. Não se pode obrigar um professor a fazer de vigilante nos pátios, como se de um segurança se tratasse. Primeiro, porque assim fica mais caro ao erário público do que contratar uma empresa especializada, mas sobretudo, porque a sensação de despromoção e consequente desmotivação levará ao insucesso não só do aluno como do docente.
Apoiar os alunos em dificuldade com aulas “extras” é uma medida louvável. Verdade seja dita, esta medida é aplicada, há largos anos, em muitas escolas. Servindo quase como explicações, pagas e bem pelo ministério, estas aulas não demonstraram ainda o potencial que têm. Devem servir para tirar dúvidas, para exercitar determinado conteúdo que foi leccionado numa determinada disciplina ou para recuperar alunos com falta de pré-requisitos. Para o seu bom funcionamento, devem ter um número limite de alunos.
Ultimamente, a tendência perante o fracasso é ir fazer comparações com os países nórdicos, como a Finlândia, que apresentam taxas de sucesso escolar exemplares. Contudo, a comparação incide sobre o número de horas laborais entre o professor finlandês e o português e os respectivos salários. Não deixando de ser um lugar-comum, importa referir que é a qualidade que interessa e não a quantidade. A cultura nórdica é totalmente diferente da nossa. Exemplo, quanto tempo passa, em média e por dia, um jovem finlandês em frente à televisão? Será relevante dizer que em países como a Suécia, a Dinamarca, a Holanda se reduziram as horas de leccionação dos professores “para melhor se poder planificar, preparar e avaliar as aulas”?

terça-feira, outubro 18, 2005

Os direitos adquiridos

Na semana em que o Governo apresenta o Orçamento de Estado para 2006, sob o signo sério da austeridade, será bom fazer um balanço, ainda que bastante subjectivo, sobre as razões que levaram os governantes a tomar decisões tão impopulares que causam e irão causar grandes malefícios para a generalidade dos portugueses.
Muitos analistas políticos louvam o governo por tomar medidas de rigor em prol do controlo das finanças públicas e da sustentabilidade da segurança social. Reduzir o défice é tónica dominante, tendo o governo três anos para o colocar nos 3% (neste momento, encontra-se na ordem dos 6,2%). Os argumentos utilizados para justificar as dificuldades económico-financeiras de Portugal são vários como a falta de produtividade, o excesso de funcionários públicos ou a evasão fiscal, entre os mais relevantes. Se podemos chamar a estas alterações de reformas só o tempo o dirá, porque, neste momento, parecem mais decisões tomadas em desespero de causa, que visam cumprir o curto, médio prazo. Prova disso é que este orçamento consegue diminuir o défice à custa de cortes na Função Pública e no aumento de impostos (tabaco, combustíveis) e não de soluções de cariz económicas.
Porém, a forma como o Governo veicula a mensagem sobre a necessidade destas medidas é negativa e, de certa forma, agudiza a contestação social. O primeiro-ministro optou por um discurso de ataque aos trabalhadores, de combate aos ditos privilégios de certas classes da administração pública. O discurso toma proporções que até parecem dar a entender que a culpa da crise do país se deve aos trabalhadores, sobretudo os funcionários públicos. Ora, sendo o Estado o maior empregador do país, qual é o trabalhador que gosta de ser tratado assim pelo patrão? Não. A estratégia é errada. A linguagem utilizada devia ser a da união nacional para sair da crise, o espírito de sacrifício em nome do país, realçando que certas medidas são passageiras, como o aumento dos impostos, por exemplo. É lógico que as manifestações não iriam desaparecer; poderiam é ser atenuadas. Ninguém se pode esquecer que se a crise resulta, num ponto, da conjectura internacional, ela é também fruto de gestões ruinosas por parte de governantes que não souberam aproveitar o tempo das “vacas gordas”. A entrada descontrolada de trabalhadores na função pública nunca será culpa destes últimos. O endividamento perigoso em que certos municípios se encontram só pode ser atribuído às chefias autárquicas. Neste caso, a inconsequência de desbaratar dinheiro que não é seu leva sempre à folia das grandezas.
O mundo mudou é um facto. Tudo o que se ganhou em termos de direitos laborais parece ser linguagem que pertence ao passado. Todos nós ansiamos com o progresso, o conforto, uma vida melhor em todos os aspectos. Saber que se deve trabalhar mais e ganhar o mesmo ou até menos dói. É algo difícil de aceitar. Os direitos adquiridos deveriam ser a prova do desenvolvimento de um país e não da sua estagnação.
Quando se fala em reduzir a liberdade aplicando novas formas de vigiar as pessoas para combater o terrorismo, estas últimas indignam-se e os governos recuam. A liberdade, tal e qual a conhecemos, levou séculos a ser “adquirida”. É incrível reparar que em pouco menos de um século esbanjámos toda uma luta de pessoas pelos direitos dos trabalhadores.

quinta-feira, outubro 13, 2005

Quando for grande, quero ser terrorista

Não gosto dos árabes terroristas. Não gosto daquela gente. Dizem que fazem atentados em nome do seu deus, mas quando olho à minha volta e vejo tanta maldade, acho que não existe deus nenhum.
Um dia, fui com o meu pai às finanças. Chamaram-no porque se tinha enganado nas contas e não tinha declarado tudo o que ganhava. O senhor que o atendeu foi extremamente grosseiro. Quase insultava o meu pai. Falava alto para toda a gente ouvir. Por detrás da sua secretária, ele era um homem superior. Ninguém reclamava porque ele tinha o queijo e a faca na mão. O meu pai, cheio de raiva, olhou para o chão; não valia a pena. Saímos da repartição tal uns criminosos declarados culpados num julgamento. Disse ao meu pai que o homem era um tolo presunçoso. Ao chegar perto de uma pastelaria, ele ofereceu-me um gelado. Agradeceu-me com um gesto de amizade por o ter defendido. À noite, na cama, imaginei-me a entrar pela repartição dentro com um taco de basebol e a partir a secretária do tal tolo. Mas, também pensei que seria preso e só complicaria as coisas. Pensei então em pôr uma bomba no carro dele, como no telejornal. Nunca saberiam quem foi o culpado. Mas ele podia morrer. Já não me agradou apesar de achar que ele merecia.
Acordei no dia seguinte e senti algo de diferente em mim. Olhei à minha volta e senti que estava tudo errado. O meu pai folheava o jornal da manhã. Crimes, atentados, corrupção e uma mamã Panda que dera à luz uma cria. “A vida é feita de vida e morte”. Fui então para a escola no habitual autocarro. Os condutores vão muito apressados para o trabalho. O meu professor de história é um fascista. Consola-se a falar de Hitler. Quando fala de Auschwitz os olhos brilham. Se pudesse, punha uma bomba no carro dele. Na cantina, os melhores lugares vão para os mais velhos. Os mais pequenos, como eu, têm medo deles. É a lei do mais forte dizem eles. Por que é que não sou um super-herói? Dava-lhes uma tareia em frente a todos e as raparigas olhavam para mim estupefactas e seduzidas pela minha força. Mas não. Tenho de os deixar passar na fila à espera da comida. Quando chego a casa, a minha mãe, que se sente adoentada, pede-me para fazer uns recados. A partir desse dia, reparei que as pessoas que têm um determinado cargo gostam de se exibir e mostrar que são elas quem mandam. Às vezes, ou muitas vezes, abusam desse poder.
No dia seguinte, a minha mãe continua indisposta e frágil. Telefona a uma clínica privada para marcar consulta, porque não está em condições para esperar horas no centro de saúde. Vou com ela para a ajudar no caso de ela precisar. Já na clínica, esperamos bastante, pois o médico atrasara-se. No consultório, o médico parece-me pouco preocupado com a saúde da minha mãe. A forma como ele faz o diagnóstico deixa-me enfurecido, mas não posso fazer nada; se eu disser alguma coisa, ele pode vingar-se e dar algo à minha mãe que possa fazer mal. A minha mãe pede-lhe para receitar medicamentos baratos, mas ele diz que não, que não presta e que ele é médico há trinta anos e que não está para ouvir conselhos de uma mulher que só tem a 4ª classe. Conheço o carro dele. Posso furar-lhe o pneu. Mas não me parece suficiente. Como ele há muitos neste planeta.
Se pudesse, criava uma organização terrorista que trataria de dar apoio às pessoas mal tratadas ou injustiçadas. Não haveria cá julgamentos; estou farto de ver os graúdos de gravata em tribunal a rirem-se das pessoas. Não. Justiça com as próprias mãos!
Saí da clínica feliz com esta ideia. O único problema: como concretizá-la? Ao chegar a casa, resolvi o problema: a Internet. Vou criar um site angariar, com a minha mensagem, colaboradores para esta missão de cariz humanitária; tudo de forma secreta e anónima. Mas, antes, preciso de aprender. Procuro sites de terroristas oficiais. A Net é maravilhosa! Até me ensina a construir uma bomba. Guardo essas páginas nos “Meus favoritos”; servirá para mais tarde.
Os anos passam. A minha mãe acha-me diferente. Continuo a ter uma vida considerada normal para um adolescente, mas agora deixei crescer a barba e os meus amigos são agora diferentes dos antigos. Ela até não se importa muito, porque as minhas notas na escola subiram. Como quero ser engenheiro químico, tenho de estudar muito. É verdade que, no princípio, não gostava dos radicais islâmicos. Mas ao ler o Corão com os meus novos amigos, ao ver como os americanos e judeus tratam mal os árabes, nomeadamente os palestinianos, penso que devo tomar uma posição. Se quero um mundo mais justo, devo lutar com toda a força que Al... Deus me deu.
Agora, ando a poupar dinheiro para ir até à Palestina. Tenho bons contactos e, provavelmente, poderei encontrar um novo rumo para a minha vida. Sei que vai ser difícil para os meus pais entenderem, mas faço isto não para mim mas para o bem da humanidade.

terça-feira, outubro 04, 2005

O povo é quem mais ordena

Domingo à noite depois das eleições, quando as contagens dos votos estão, na maior parte das freguesias, efectuadas, em frente à sede de campanha da recém-eleita Fátima Felgueiras, na cidade de Felgueiras, milhares de pessoas se juntaram para festejar a vitória. Todos aguardam com expectativa o aparecimento da autarca, a mulher mais querida da cidade. As luzes acendem-se na varanda. Surge então Fátima, tal como Nossa Senhora que apareceu aos pastorinhos. O povo entra ao rubro gritando: “Fatinha, Fatinha!”. Do alto da varanda, a mulher ergue os braços e açena aos seus cidadãos. Ela pega no microfone. Os jornalistas captam com as máquinas cada suspiro, cada piscar de olhos. O discurso que vai entamar não é só para o concelho que foi eleita, mas também para a Nação.
“Hoje é um dia histórico para Felgueiras e também para Portugal! - A população grita de regozijo. Algumas lágrimas vertem de mulheres de uma certa idade; mas são lágrimas de alegria. - Como sabem, tentaram caluniar-me e ainda tentam. Mas hoje, vocês deram a prova que sou uma mulher de confiança! Os partidos terão de aprender que quando se tem ideias, vontade e quando o povo gosta de alguém, não há partido que resista: é esta a nossa democracia! A revolução de Abril faz-se todos os dias e é com o povo! Felgueiras não poderá sofrer, porque o povo é quem mais ordena! Faço, desde já, um convite ao Primeiro-Ministro de Portugal para visitar Felgueiras! - O povo assobia mostrando o seu descontentamento. - As empresas têm fechado, o desemprego aumenta e eu não posso, nem quero deixar que isto continue. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para atrair investimento de empresas nacionais e estrangeiras para o concelho de Ferlgueiras. Mas preciso do apoio do Governo! Meus amigos, espera-nos um momento difícil, mas há, no fundo, uma luz de esperança. Temos que nos unir para mostrar ao resto do país que somos pessoas de bem e que o país e algumas das suas instituições democráticas padecem de reformas profundas se queremos progredir de forma justa e equitativa.
E, contra todos aqueles que me vilipendiaram, terão uma só resposta: o meu trabalho e a minha dedicação por Felgueiras!”
Todos aplaudem e gritam o nome de Felgueiras. Este representa o momento mais alto das eleições autárquicas no país. Os canais televisivos acabam o directo em Felgueiras, pois, em Gondomar, o vencedor, Valentim Loureiro inicia o seu discurso de vitória...